TXT_ARTICLEs

A cobra engolindo boi

A cobra engolindo boi

José Mateus Sobreira Lima Filho, mais conhecido por Zecafilho, tem cara de sapo. Ele, de corpo inteiro, lembra um sapo-boi, também conhecido por sapo-gigante. Mas é nanico, de baixa estatura, do tipo atarracado, quase sem pescoço, bastante gordo, velhaco e velhusco. E vive em valhacouto à procura de falsas donzelas, meninas de programa: um batráquio em busca de bobiçadas. Anfíbio, vive tanto na água quanto em terra. Está sempre nadando em sua pequena piscina. Mora sozinho. Também aparece em seco, nos motéis, anuro, sem rabo preso, com seu jeito de bufonídeo, banguela, pupilas purpurais. Diz ele que qualquer motel é, em seu sentir, um templo, com suas liturgias e seus rituais. Quando ele pega a chave na portaria, já começa a pensar numa espécie de prece. Pensa no altar e no sacrifício, diante do lavabo com água para catecúmenos. Toma vinho, come pão, no simbolismo do ágape, em memória do amor. Luz negra e indireta em velas estilizadas, sempre acesas, claridade votiva para sacralizar o ofício conubial. Zecafilho é meio místico e mistura soda com suco, fruto com fritura. Gosta de comer muito nos motéis, após o dever cumprido. Pândego, coaxa, dá seus pulos na secura e na hidromassagem. Na cabeça vazia, o cinzeiro com incenso traz a lembrança do turíbulo; pires com tira-gosto parece patena; copo, cálice. Metido a poeta, Zecafilho faz analogia entre o profano e o sagrado, entre o secular e o sacrossanto.

Marina Antunes Cruz e Silva Quatro, cuja alcunha ou nome de guerra é Marissilva, dá de cara com Zecafilho numa boate. Esbelta, magra, coleante, ela caminha como a cobra; serpenteia, com seus belos dentes sempre à mostra, num cacoete de semi-sorriso e sempre mantém a ponta da língua, que não é bífida, em posição de ataque. Víbora sem veneno mortal, peçonha e antídoto ao mesmo tempo, morde sem matar, marca sem ferir. Faz cicatriz no espírito. Cobra-criada, mas mansa como a cobra-de-duas-cabeças. A cabeça de Marissilva não pensa, apenas dói às vezes. Etiologia da cabeça-inchada pode ser dor-de-cotovelo. Os miolos de Marissilva devem ser moles demais. Sua cachola, porém, é dura como a lápide. Dura na queda, ela dá um duro para conquistar o parceiro. Sua massa cinzenta não preteja. Cabeça-de-vento, madeixas soltas, ideias cabeludas.

Dizem que cobra atrai sapo. A víbora come batráquio. Marissilva pode engolir Zecafilho, em sentido figurado e nos demais sentidos. Ambos se perdem em eufemismos em seu vocabulário. Metáforas da moça: "Doiduras, louqueiras..." O velhote tenta corrigir, tenta acertar, falando pelos cotovelos, ébrio de amor: "A loucura não tem cura. A doideira é só besteira. Louquice não é bobice."

Entram no motel. Horas depois saem de mãos dadas, como dois penitentes que acabam de pagar a promessa.
TXT_ARTICLE No.: Read: 409 times
Rate this TXT_ARTICLE: